domingo, 2 de junho de 2013

A tecnologia em nome do “jeitinho brasileiro”

Por Pejota Moraes


Com certeza você já deve ter se pego pensando como seria seu mundo hoje sem a tecnologia. Principalmente se lê constantemente este blog. Fica sempre no ar uma pergunta que não quer calar: como será o mundo com a tecnologia do futuro? São avanços em todos os campos saúde, serviços, acessibilidade, relacionamento pessoal entre tantos outros. Existe até quem utilize o domínio da tecnologia para tirar vantagem das outras pessoas.

Ilustro um caso ocorrido comigo à cerca de duas semanas. Fui passar o fim de semana com meus pais no extremo sul da cidade de São Paulo. No domingo, no caminho de volta para casa, constatei que meu bilhete único estava sem crédito e resolvi recarregá-lo no guichê do Terminal Varginha. Ao ver a fila enorme e que apenas uma atendente estava realizando a recarga manual, resolvi apelar para a tecnologia e recarregar meu bilhete único em um terminal eletrônico. Bom, considerando o título do texto você já deve imaginar o que sucedeu daí então.

Antes de tentar a recarga, meu sobrinho me questionou com um “Você confia, tio?”. Não dei muita bola, afinal se uma empresa séria se compromete a realizar um serviço, em nome de uma empresa pública, com certeza possuiria um procedimento caso o dinheiro do cliente ficasse preso na maquina. Sonho meu! Ao constatar que os meus caraminguás tinham sido engolidos pela máquina, minha primeira ação foi tentar manter a calma e sinalizar um dos vigilantes que estava ali por perto.


 

Ao relatar à ele o ocorrido, ele franziu a testa e deu aquele sorrisinho sem graça como quem quer dizer que entende, mas não pode fazer nada. Direcionou-me então à atendente da recarga manual, que já cuidava de uma fila de cerca de vinte pessoas. O vigilante me avisou que eu poderia passar na frente, o quê claramente não foi bem recebido pelas pessoas que nesta fila estavam. Ocorre que ao ouvir do que se tratava a minha solicitação a atendente soltou um bufo, como se já estivesse cansada da tal máquina. Foi então que ela pegou um celular e começou a falar com o que parecia ser uma central de atendimento.

Cinco minutos depois, imaginem, não satisfeitos em xingar a minha mãe, aqueles que aguardavam na fila, já apelavam para a quinta geração de mulheres da minha família. Ao desligar o telefone a atendente me orientou, muito delicadamente, a retornar no dia seguinte – leia-se, uma segunda feira – para que o responsável pela máquina pudesse conferir se meu dinheiro estava ou não ali.

Foi aí que caiu minha ficha. Entrei para o hall das “40 pessoas enganadas”. Tentei argumentar relatando que devido ao meu horário de trabalho seria inviável a minha presença ali em plena segunda feira. Ainda, muito paciente – até por que, né? – a atendente me disse que eu só poderia resgatar meu dinheiro se comparecesse no dia seguinte e à uma hora da tarde, horário previsto para o responsável pelo equipamento comparecer ao local para realizar a ‘sangria’ dos valores. Falou ainda que haviam responsáveis pela máquina de segunda à sexta das 08:00 às 20:00, só que devido à uma eventualidade, no dia seguinte só haveria responsável a partir da uma da tarde.

Perdi a calma. Questionei como é que a prefeitura permite que uma empresa atue em seu espaço sem um responsável direto, mas percebi que estava reclamando para a pessoa errada. A coitada já estava estressada demais trabalhando sozinha com uma fila enorme para atender. Tomado pelo sentimento de trouxa, ainda recorri à um par de policiais que, achando muita graça da situação, enfatizaram que o primeiro passo era entrar em contato com a empresa, estando ali à uma da tarde do dia seguinte ou entrando em contato com um número de telefone constante na máquina. Liguei. Por uma semana ininterrupta. Chamou, chamou, até eu me dar conta de que havia sido roubado. Sim, roubado.

É nesta parte do texto que você ri e fala: ”Quem mandou?”. Pois é, quem mandou ser burro o suficiente para confiar em uma máquina em tempos em que a gente não confia nem em gente? Quem mandou crer que a tecnologia não tira vantagem? Quem mandou crer que o fato da máquina estar em um espaço da prefeitura isso te ampara em algo? Quem te disse que um guarda ou um policial vai te dar razão diante da imbecilidade de confiar seu dinheiro a uma máquina? Quem mandou?

                             

Para você ver até que ponto nós chegamos. Pode parecer que eu estou querendo fazer a linha da Madalena arrependida, que está chorando por ter perdido vinte reais. Não. A questão não é essa. Nem quero usar este espaço para denegrir a empresa, até porque são tantas reclamações que não creio que esta fará diferença. O intuito aqui é ilustrar o quanto estamos acostumados a se conformar com a desonestidade. Já parou para pensar quanta gente ao longo daquele fim de semana perdeu dinheiro naquela mesma máquina? Sim por que se desde às 20:00 horas de sexta não havia responsável pela máquina, desde às 20:00 horas ela estava funcionando à favor da desonestidade. Para onde foi todo dinheiro indevido arrecadado pela máquina? Todo mundo conseguiu estar ali à uma da tarde? Dá para crer em uma falha sistêmica?

Desculpem a desconfiança, mas ela provém de uma lógica de confiança que foi arranhada pela falta de honestidade. Cobramos tanto uma postura correta na política do Estado e esquecemos-nos da política nossa do dia a dia, que devia – mas não é – pautada pela ética e pela responsabilidade pelos atos. Nem culpo a impunidade no caso do terminal eletrônico até porque, neste caso teríamos que prender a máquina, por que ela foi condicionada – vai saber se propositalmente – a ser independente durante o fim de semana.

Aprendi enfim a lição de não confiar em máquinas e consequentemente me esforço para continuar confiando nas pessoas. O mundo é de dois tipos de espertos. Aqueles que tiram proveito dos outros e aqueles que conseguem identificar situações de risco de desonestidade. De trouxa eu fico mais esperto e com isso menos suscetível ao erro e mais distante do ideal do bem comum. Estamos perdendo isso com essas desculpas esfarrapadas que usamos para sermos ilícitos. De crime à contravenção há, indiscutivelmente, uma margem de permissividade onde os cidadãos podem exercer seu lado ‘vilão de novela’ e se deixar levar pelo ‘jeitinho’ pautado pela vantagem que um tira do outro, descaradamente.

Por Pejota Moraes

Veja outros textos do autor em:

Nenhum comentário:

Postar um comentário