segunda-feira, 13 de maio de 2013

A cultura da ostentação

Por: Pejota Moraes

Uma das primeiras coisas que vem à nossa mente quando se discutem causas para a crescente criminalidade é a questão da desigualdade social. Consequentemente esta desigualdade é atribuída à incompetência do Estado em criar políticas eficientes na área da inclusão social. Como sempre este Estado – que bem ou mal é instituído por nós – é o grande vilão da história e o nosso papel acaba se restringido à falácia. Reclamamos passivamente como se isso resolvesse alguma coisa. Acabamos não nos atentando que as nossas responsabilidades vão além do voto.

O fato é que o consumo está na moda. A “melhora” da economia brasileira é celebrada. O novo perfil de consumidor ganhou até etiqueta personalizada com grife de “Nova Classe C” – uma vez que a tradicional classe C não pode, de forma alguma, ser confundida com estes emergentes do momento –, em contrapartida nunca estivemos tão endividados. É estatístico, basta pesquisar.




A questão é que não consumimos apenas o que precisamos. Temos a necessidade vergonhosa de mostrar para todo mundo que agora nós podemos comprar. Por um lado, pode parecer compreensível um trabalhador ostentar um bem conquistado com o suor de seu trabalho ou poder comprar aquele vídeo game sonhado pelo seu moleque, principalmente depois de assistir por muito tempo uma elite cretina falsear uma superioridade estúpida, pautada pelo poder aquisitivo. Mas não é nos igualando ao vazio que ocupa a mente capitalista da classe dominante (porque ainda que a “nova classe C” esteja em alta, quem tem mais dinheiro ainda é quem manda) que conquistamos dignidade.

A dignidade da conquista está no acesso à tecnologia, do qual todos têm direito e que hoje além de entretenimento é ferramenta fundamental de comunicação. A dignidade está no acesso ao ensino de qualidade. Universidades particulares acessíveis ao bolso, hoje fogem do universo das “Uni-esquinas” (instituições de ensino com credibilidade duvidosa) garantindo uma especialização básica a quem antes não tinha esta perspectiva há algum tempo atrás. Dignidade que está em possuir capital para arcar com a aquisição de seu próprio meio de transporte ou para conquistar sua casa própria. Em suma, esta dignidade está nas condições mínimas de conforto, da qual todo ser humano precisa para sobreviver. O problema é a ostentação.

Lembra do caso do comercial da tesoura do Mickey? Febre entre as crianças no início dos anos 90, a peça publicitária mostrava uma menina praticamente esfregando uma tesoura com o formato do rato americano na cara dos telespectadores enquanto cantava “Eu tenho, você não tem, eu tenho, você não tem...”. A repercussão foi tão negativa que o CONAR – órgão que regula a propaganda comercial no Brasil – interveio e retirou a propaganda do ar sob a alegação de prática abusiva de incentivo ao consumo, visto que era veiculada na TV aberta e crianças das classes menos favorecidas poderiam sofrer com a falta do produto.


                     
                                       Comercial antigo Eu tenho, Você não tem - 1992


Ainda que muita gente não se lembre do comercial, vivemos um momento de direito de resposta à ele, onde o tom da canção agora é “Eu também tenho, eu também tenho”. É claro que cada um faz o que quer com o próprio dinheiro, isso não se discute, mas a grande questão é porque não investir na propriedade intelectual? Conheço gente endividada com a conta de seu Iphone e que assume que não conhece metade de suas funcionalidades. Outras que usam roupas cafonérrimas, por que é tendência. E pagam caro por isso. Pagam caro, para ficar feias... Mas tudo bem, isso também é questão de gosto.
Mas por que adiar o investimento em propriedade intelectual? O investimento em conhecimento acaba sempre ficando em segundo plano. Sempre tem aquele novo celular, tablet, computador do momento para se adquirir. Isso quando a necessidade de trocar o carro velho por um mais moderno não aperta, principalmente quando a dívida antiga vem chegando ao fim. E você vai deixando de aplicar seu capital em você. Vivendo em um eterno crediário, um eterno endividamento, uma eterna prisão na qual você mesmo se encarcerou.


O intuito não é que se faça aquela graduação ou aquele curso de idiomas para ser – ou se achar – melhor do que ninguém, até porque o ostentar intelectual e tão ou mais grave que o ostentar material. Mas quando você se instrui, quando você busca saber, ninguém mais te faz de idiota. Com isso não é só você que melhora, mas tudo e todos ao seu redor. Por que você acha que tanta gente estimula o seu consumismo com essa história de “nova classe C”? Para te manter refém. Refém do crédito. Refém do bem material.

Agora a gente pode. E é aí que se esquece das responsabilidades, das desigualdades que não justificam, mas explicam a criminalidade. Será que imitar os hábitos de uma socialite acéfala que aparece na TV, que todo mundo admira por ser fútil e alcoólatra – por que champagne, também é álcool -, não contribui para que a sociedade seja desigual? Afinal de contas atitudes menos humanas e mais materialistas geram pessoas menos humanas e mais materialistas. E quando estas pessoas materialistas não tem acesso ao bem material o quê acontece? Basta olhar para o lado. Infelizmente a resposta está no seu cotidiano.


Pejota Moraes


5 comentários:

  1. Parabéns por seu texto!

    ResponderExcluir
  2. Completando o texto: Tome tiroteio todos os dias.

    ResponderExcluir
  3. E haja ligar a televisão todos os dias e tome notícias de violência . E tome tiroteio no morro.
    Ilma Soares Vieira

    ResponderExcluir
  4. Completando o texto: Tome tiroteio todos os dias.

    ResponderExcluir