quarta-feira, 14 de agosto de 2013

AMARILDO: UM NÚMERO COM NOME E SOBRENOME.

Por Pejota Moraes
Dia 14 de julho de 2013, Amarildo Dias de Souza, 47 anos é levado da porta de sua casa, localizada na favela da Rocinha, para uma sede da Unidade de Polícia Pacificadora ­– UPP – no bairro. O motivo seria a semelhança do pedreiro com um criminoso procurado. Sem oferecer resistência, Amarildo foi levado por 15 policiais e nunca mais voltou. A polícia informou que depois de interrogado, ele foi liberado, versão que não convence.



Seria mais um caso típico, não fosse o barulho da mídia independente. O que era para ser mais um caso de um negro pobre de periferia desaparecido tornou-se, um mês depois, assunto de opinião pública. Todos querem saber onde está Amarildo. Ainda que a família não tenha esperança de encontra-lo com vida, o nome do pedreiro virou sinônimo de uma insatisfação de parte da população com a ação opressora do Estado – por meio da polícia – nas periferias das grandes cidades. 

Trataram de encontrar um plano B para o caso, associando o pedreiro e sua mulher ao tráfico de drogas, talvez para justificar o assassinato caso o corpo venha a ser encontrado um dia. Por que não se trata de nenhum Tim Lopes – jornalista da Globo morto por traficantes – mas convenhamos que a repercussão é grande devido à pressão popular, o quê era impensável há um mês. Quem é que iria querer saber do paradeiro de um favelado?

A questão é que falta compaixão. Compaixão para olhar a situação de quem é preto e pobre ou só pobre e vive nas comunidades entre o fogo cruzado de polícia e bandido. Quantas pessoas não foram assassinadas na periferia de São Paulo na segunda metade do ano passado? Eu digo! Foram duas mil pessoas! Sim, duas mil. Todos os dias, o noticiário da manhã dava conta de mais assassinatos. E para justificar as mortes, a mesma ladainha em que tentam enquadrar Amarildo: associação com o crime!


A associação ao crime é uma justificativa recorrente que a polícia usa para matar. E não é de hoje. No livro Rota 66, o jornalista Caco Barcellos já denunciava a violência excessiva da Rota – esquadrão cujos meios violentos são defendidos por grande parte da população – nas ruas de São Paulo. Quantos não foram mortos naquela ocasião e a polícia alegou legítima defesa? Como saber que atacou quem? Nunca saberemos. 
Lembram-se do caos instituído pelo PCC na cidade de São Paulo, em maio de 2006? Na retaliação da policia, em apenas quatro dias, matou-se cerca de 400 pessoas, as que chamaram de suspeitas. Muitos não tinham qualquer relação com o crime. Algo parecido com o que ocorreu no ano passado. Há relatos de casos de pessoas que saíram de casa para fumar ou estavam voltando do trabalho e foram executadas.




Triste este texto não é? Pesado pensar em tantas mortes. Voltamos à questão da compaixão. Por que é tão triste assim se estamos falando de números. Por que estes não tiveram a ‘sorte’ de chamarem Amarildo e muito menos a chance de despertar a indulgência nas pessoas. Na periferia, somos números a menos, todos os dias. 

Tanto faz o menino que viu o pai trabalhador ser assassinado e hoje se vê inclinado ao crime. O que importa é o universitário que é morto na porta de casa por causa de um celular. Ninguém liga para as meninas que são constantemente estupradas pelo pai alcóolatra enquanto a mãe trabalha duro para colocar comida em casa. É mais interessante assistir a novelesca história da jovem que tramou com o namorado a morte dos próprios pais ou do pai que ajudou a madrasta a matar a própria filha. Agora, como se isso importasse, querem saber os motivos que levou um pré-adolescente a matar a família. Para quê?


A resolução dos crimes ‘da moda’ serve apenas para instigar o instinto investigativo do ser humano. É literalmente como assistir C.S.I. As pessoas precisam ver o sangue da classe média jorrar para saciar a sua sede. Onde está a compaixão pela perda de uma vida? E Amarildo? E as mortes na periferia? Estes crimes sim precisam ser acompanhados, uma vez que envolve o extermínio de uma classe oprimida pela própria condição. 



É o desnível de classes que nos faz desprezar os mortos da periferia, mortos que são nossos. Quanta falta de compaixão. Alguém sabe o nome de uma das duas mil pessoas mortas pela polícia na periferia de São Paulo o ano passado? Não? Alguém arrisca? Nardoni, Von Ritchtoffen... Não? Muitas dessas pessoas tinham filho, esposa, marido... Muitos eram do crime sim, não podemos negar, mas outros não. E se tornaram números. Como cresce uma criança cujo pai trabalhador foi morto pela polícia? Entramos no mérito da explicação que não se justifica, mas explica.



Amarildo representa milhões de pessoas vítimas de uma violência que provém daquele que teoricamente deveria nos proteger. Lamentavelmente, temos que nos proteger de quem nos protege e rezar para que eles não achem que temos cara de pobre, de periferia, por que podemos ter a mesma “sorte” de Amarildo e dos inocentes mortos em São Paulo, de ser identificado bandido e sumariamente eliminado por quem acha que a morte nada mais é do que uma forma de fazer faxina. Faxina no crime ou faxina social?

PS: Onde está Amarildo? Continuarei perguntando até que o encontrem. A todos eles.

Por Pejota Moraes

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